sexta-feira, 23 de setembro de 2011

HQ Estilo Retrô e New Retrô


Origens
A palavra "retro" deriva do prefixo latino retro, que significa "para trás" ou "em tempos passados" - particularmente como visto na forma de palavras retrógradas, o que implica num movimento em direção ao passado, em vez de um progresso em direção ao futuro e, a posteriori, referindo-se um olho crítico ou nostálgico do passado.
Retrô ou Retro é um estilo cultural desatualizado ou velho, uma tendência, hábito, ou moda do passado pós-moderno global, mas que com o tempo se tornam funcionalmente ou superficialmente a norma mais uma vez
O new retrô é baseado no traço retrô, destaca o contorno forte e continuo, quebra a perspecticva.

HQ Estilo Retrô e New Retrô

Um autor muito importante para a consolidação dos quadrinhos retrô na preferência dos leitores e da crítica especializada é o do ilustrador Alex Ross. Ele ganhou notoriedade a partir de 1994 por seu estilo hiper-realista de pintar super-heróis usando tinta óleo. Além disso, ele também colabora com os roteiros das obras em que trabalha e foi responsável por boa parte dos enredos das duas principais obras do início dos quadrinhos retrô. Em Marvels, de 1994, ele e o escritor Kurt Busiek apresentaram o olhar de um homem normal sobre a história dos acontecimentos narrados nas revistas da editora Marvel Comics. O fotógrafo Phil Sheldon vivencia e registra os grandes momentos do Universo Marvel e compõe assim um memorial em homenagem a estes momentos e, conseqüentemente, a seus autores.


            Contudo, foi em Reino do Amanhã, outra minissérie feita para a editora rival da Marvel, a DC Comics, que Ross mostrou o que pretendia com seu estilo retrô. Ao invés de ambientada no passado nostálgico, Reino do Amanhã projetava os heróis da DC para um futuro não muito distante e sombrio. Dez anos após o Superman e a maioria dos heróis de sua época abandonarem o combate ao crime, os novos superseres estão prestes a causar a destruição do planeta. O assassinato do Capitão Átomo pelo vilão Parasita causa um desastre nuclear no Kansas que é o prenúncio do apocalipse. O retorno do Superman, junto com uma nova Liga da Justiça, parece ser um sinal de esperança, mas na verdade representa a chegada do juízo final que decidirá se os humanos devem sucumbir aos superseres ou bani-los da face da Terra. Tratando com profundidade do dilema entre super-heróis clássicos e modernos, a obra, com roteiro de Mark Waid, constrói uma alegoria sobre o real sentido do heroísmo para a humanidade e, ao mesmo tempo, é uma crítica à indústria de quadrinhos da década passada. É nítida a analogia dos novos superseres completamente amorais com os produtos de algumas revistas em quadrinhos dos anos 90, especialmente os da editora Image Comics, formado por um grupo de jovens artistas de sucesso que deixaram a Marvel Comics em 1992 para publicar seus próprios super-heróis.
Dessa forma, ficou claro que os quadrinhos retrô não se limitariam a recontar histórias no estilo que era usado trinta ou quarenta anos atrás, mas escolheria no interior desta esfera de enunciados, valores estéticos que viriam a ser resignificados de acordo interesses do momento presente. Tomando por base a afirmação de McLoud sobre o público de quadrinhos ter passado de crianças para adolescente, é possível presumir que boa parte deste público cresceu um pouco mais e tornou-se constituído basicamente de jovens adultos. Se por um lado é necessário mais dinheiro do que um adolescente normalmente dispõe para acompanhar todo o mercado de quadrinhos hoje, também as tramas intricadas e exigentes impedem a renovação do público, de modo que percebe-se uma espécie de círculo vicioso que mantém esse estado de coisas.
            Essa leitura crítica do passado em busca de uma resposta estética para um descontentamento com o discurso presente nos quadrinhos atuais traz implicações interessantes para este gênero novo. O “realismo” das pinturas de Alex Ross também vem de uma leitura dos quadrinhos clássicos. Em nenhum momento o artista se propõe a ser completamente naturalista na representação de personagens e cenários, mas assume o compromisso de recriar com verossimilhança a impressão que ele e os roteiristas têm do universo de personagens.
            O Capitão Marvel de Reino do Amanhã é o exemplo perfeito do estilo usado pelo artista. A primeira vista, o realismo impressiona principalmente pelo cuidado com a composição dos tons de pele, o volume e a textura do tecido no uniforme e a expressão em seu rosto. Porém, se observamos as proporções do corpo do herói, vemos que ele nada tem de realista. O queixo é quadrado, o peitoral e os músculos dos braços são extremamente exagerados. Na verdade, a figura retratada por Ross é toda baseada no trabalho original do criador do Capitão Marvel, C.C. Beck. Até mesmo os olhos miúdos e as sobrancelhas estilizadas ganham destaque, ao lado de um sorriso tão caricato que chegou a se tornar uma marca registrada do herói. É como se ao invés de resgatar a figura do modelo para personagem, Ross estivesse fazendo ecoar o estilo de C.C. Beck, a sua concepção, o seu enunciado em forma de ilustração, sobre o herói e o que ele representa.
          Este personagem tem um papel muito importante para a história de Reino do Amanhã, pois é ele a chave para a resolução do conflito entre a humanidade e os superseres. O garoto Billy Batson, que gritava “SHAZAM!” para transformar-se no Capitão Marvel, hoje é um adulto e teve sua vontade dobrada por Lex Luthor, que o usa como arma numa espécie de guerra fria contra o resto do mundo, ameaçando mandar o Mortal Mais Poderoso da Terra contra quem ousar opor-se a ele. Em Billy Batson está contida a síntese de todo dilema central da história. O conflito entre o humano e o super-humano, sofrido pelo garoto um garoto que se tornou adulto enquanto via o mundo mudar em direção ao apocalipse é análogo à descontrução dos super-heróis vista pelos leitores de quadrinhos num período muito similar.
            Nos anos seguintes, outras obras reforçaram este seguimento de publicações, adicionando conceitos e recursos narrativos ao gênero que se formava. É interessante notar a contribuição de autores que nos anos oitenta foram os responsáveis por desencadear a tendência à qual os quadrinhos retrô se opuseram. Naquela época, os roteiristas Alan Moore e Grant Morrison, entre outros, criaram histórias mais densas, violentas e sombrias, nas quais ocorreu a desconstrução dos super-heróis, ainda de uma forma inteligente, mas que se tornou banal sob a direção de autores menos talentosos. Mais uma vez com o intuito de inovar, estes autores também apostaram na fórmula retrô, mas o fizeram bem a seu modo, com uso de muitas referências específicas a histórias antigas, um texto rebuscado, muita metalinguagem e jogos conceituais.
            No fim das contas, os quadrinhos retrô tornaram-se um lugar propício a várias alegorias metalingüísticas, que versavam sobre a história e a importância dos próprios quadrinhos para a sociedade. Às vezes, a alegoria se expandia e agregava elementos da cultura pop em geral, filmes, seriados de televisão, romances de ficção científica e policial, música, vídeo-clips, etc. É possível relacionar esta tendência ao hábito que vem se firmando nos últimos anos na mídia em geral de revitalizar todo tipo de produto cultural das décadas passadas, quando os jovens adultos de hoje, que têm condições de acompanhar este sofisticado mercado de memórias, eram crianças que viviam rodeadas de imagens eletrônicas e todo tipo de objeto vendido pela mídia, de doces a brinquedos.         
            Em prefácio para a graphic novel DC: A Nova Fronteira, de Darwyn Cooke, o mais novo sucesso dos quadrinhos retrô, o antigo editor Paul Levitz destaca três liberdades que a indústria de quadrinhos deu a seus autores para que essas obras alegóricas pudessem surgir. Primeiro, a possibilidade de fazer com que todos os personagens de uma editora coexistissem no mesmo cenário, de modo que se poderia escrever histórias do encontro entre eles sem se preocupar em arrumar explicações para isso. Com o tempo, até mesmo a barreira dos gêneros foi rompida por este recurso e super-heróis encontravam personagens de quadrinhos de guerra, faroeste, ficção científica e magia, compondo um imenso e rico universo de personagens.
            A segunda liberdade seria jogar com a continuidade deste mesmo universo, fazendo exercícios de imaginação com histórias que mudavam um acontecimento e investigavam que mudanças aconteceriam no cenário. Mesmo antes dos quadrinhos retrô tornarem-se um gênero apreciado, estas histórias do tipo “O que aconteceria se ....?” faziam muito sucesso, constituindo um gênero a parte.
            Por fim, a possibilidade de relacionar a história dos quadrinhos como forma de arte e comunicação com acontecimentos da sociedade permitiu a criação das analogias mais sofisticadas. Aqui os quadrinhos e seus heróis podem passar a ter um papel metafórico para acontecimentos da nossa história oficial. Em DC: A Nova Fronteira, uma passagem marcante é a que transforma a perseguição do senado norte-americano aos super-heróis, acusando-os de serem inimigos do governo associados ao comunismo. Para isso, o autor usa os mesmos slogans e argumentos usados para condenar as revistas em quadrinhos na mesma época de caça às bruxas em nossa história.
            Sem dúvida, os quadrinhos retrô não desfazem a segmentação do mercado de quadrinhos que a estética e as práticas editoriais dos anos anteriores desencadearam, ainda que tornem os quadrinhos em geral um material mais interessante do que a maioria do que é publicado todos os meses. Isso porque eles ainda são, em parte, destinados a um tipo de leitor que compartilha esta memória sobre quadrinhos, na qual este gênero se apóia para criar seus enredos e suas metáforas. A circulação deste material constitui um grande e sofisticado diálogo entre autores e leitores de diversos momentos, diálogo que é travado com textos artísticos (histórias em quadrinhos) ou não (críticas, resenhas, cartas, editoriais, etc). A cada resposta, estes sujeitos estão lançando seu olhar particular sobre todo o conjunto de texto que constitui seu outro e dando-lhe a forma que espera que contenha a sua completude.
           
Mais do que um modo de fazer quadrinhos, o gênero retrô representa uma forma de se compreender os quadrinhos. As alegorias das obras mostram como o ato de dizer este completamente ligado a uma ação, que constitui sujeitos e cria identidades. É a identidade dos sujeitos que formam a comunidade dos quadrinhos que é problematizada pelas obras deste gênero, que para isso usa os personagens, eventos e imagens presentes nos quadrinhos. Estes nada mais são do que a criação lingüística dessa comunidade, sua expressão materializada de uma ideologia e de um olhar sobre o mundo onde vivem. Respondendo à criação verbal do outro, cada um destes sujeitos está dialogando com o outro, que compartilha com ele uma identidade de leitor-autor de quadrinhos.

terça-feira, 6 de setembro de 2011